quarta-feira, 18 de março de 2009

Ainda da manif e também da isenção do jornalismo que temos

Sempre fui daqueles que acreditam que a isenção, quer na História quer no jornalismo, é uma quimera. Lembro-me de um filme, “Debaixo de fogo”, de 1983, cuja acção se passa na Nicarágua, em que o protagonista é um jornalista interpretado por Nick Nolte. Ele sente a necessidade de mentir por uma boa causa, a não continuação da ditadura sanguinária que assola o país. Tem, por isso, de fotografar um comandante da guerrilha como se ele estivesse vivo para que o governo ditatorial não recebesse mais ajudas do império. Assim, ele dava a sua contribuição à luta pela democracia, o que, como jornalista, não é propriamente correcto. Foi o que fez. Sofreu por isso um problema de consciência, pois à luz da isenção terá sido um mau trabalho. Depois de reflectir chegou à conclusão que se o tivesse de o fazer novamente, o faria.
Em 1997 era eu jornalista de um jornal local. Integrei a lista da CDU à Assembleia de Freguesia de S. Julião da Figueira da Foz. Fiz, no entanto, a cobertura jornalística de acções de campanha quer do candidato do PS, Carlos Beja, quer do PSD, Pedro Santana Lopes. Acho, e disse-o no início, a isenção uma quimera. Mas fiz o trabalho e não houve reclamações absolutamente nenhumas. Também, verdade seja dita, escrevi o que vi e o que ouvi. Facílimo. Se quisesse fazer o triste historial da administração do PS durante os vinte anos de câmara, teria escrito um artigo, uma crónica ou coisa parecida, e assinava por baixo. E o mesmo comportamento teria se quisesse falar do que pensava sobre uma hipotética, mas muito plausível, aliás como aconteceu, vitória de Santana Lopes.
Vem isto a propósito da última manifestação da CGTP-IN em Lisboa. Os dados da central apontam para mais de 200 mil trabalhadores. Para um jornalista não é uma informação definitiva, compreendo. Seria contudo muito fácil para um jornal de referência entrar em contacto com a PSP, cujos dados, não sendo infalíveis são certamente muito próximos da realidade, quanto mais não seja devido à experiência que têm nestas coisas.
Ora o “Público” prestou um muito mau serviço à opinião pública, à tal isenção que é quase um paradigma desse tipo de jornalismo, e um muito bom serviço aos seus donos. Diz o jornal, “200 mil pessoas, diz a CGTP-IN”. Noutro local da edição escreve, excelente subterfúgio, “entre 150 mil a 200 mil pessoas”. Claro que há factos subjectivos, mas um número de pessoas presentes num dado local é um facto objectivo, não dá mesmo para nuances de dizer que estiveram entre “x” a y”. Sobretudo quando é do conhecimento de toda a gente a dimensão do acontecimento. Só mesmo por má fé.
Eu estive lá, estou convencido que estiveram mais de 200 mil pessoas, mas nunca escreveria fosse que número fosse sem consultar a PSP.
Mais do que a isenção, importante é escrevermos a verdade que sentimos. Enfim, coisa arredia dos tempos que correm.

2 comentários:

Anónimo disse...

Essas contas tão importantes para a substância da coisa, são fáceis de fazer: contam-se as pernas e divide-se por dois. Em alternativa, regista-se a vozoaria popular e medindo os décibeis das "palavras de ordem" se afere o número de manifestantes anti-Sócrates. 200 000 ? 167 000 e 12 ? Contam-se as crianças não votantes ? E os velhotes que habitualmente apanham sol na Avenida? E os agentes policiais são contabilizados? Que grande problema...

samuel disse...

Como vês, há sempre alguns com quem não se pode contar... :-)))
Quanto ao post, essa preocupação parece-me que tem andado um pouco arredada do Público e dos outros jornais do sistema.