terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Boiardos!


Augusto Alberto


“ … Os impostos haviam levado à ruína o comércio. Alguns negociantes ocultavam as suas mercadorias à espera de melhor ocasião. Tudo encarecera. Ninguém possuía dinheiro. O trigo apresentava mistura de coisas imundas, a carne continha bichos. Até o peixe parecia mais pequeno e mais magro…Nos mercados só se vendiam inutilidades…Na vasta cidade apenas murmuradores e ociosos”.
Parece-lhe que assenta de corpo inteiro na sociedade onde vive. Pois parece. Mas para seu espanto, o que aqui se escreve, é sobre uma sociedade feudal do final do século XVII. Aconselho-o a ler, de Alex Tolstoi, Pedro o Grande. É um fresco admirável sobre como os povos penam e as elites se comportam com total desvario. A coisa é séria.

Três séculos passados, na nossa Terceira República, os boiardos de cá, corpos corruptos e sem freio, após construírem o seu mundo administrativo e jurídico, também se acham no direito de tratar as pessoas como animais. Não duvide. Percorra a grande cidade ao cair da noite, ou levante-se cedo e percorra-a pela manhã. Verá como se espalham pela grande cidade gente rota e façanhuda.
Na grande cidade paga-se a entrada no Teatro Nacional, não com dinheiro, mas com uma lata de atum mais uma lata de salsichas, ou pacote de açúcar, para assistir à peça que fala exactamente dos mendigos que dormem nas arcadas do Teatro Nacional. E depois, vá mais dentro, ao país remoto, e verá como nos cafés e nas tabernas, vegetam os ociosos. Sem trabalho. À rasca, porque ora se é muito novo para ir para a reforma, ora se é muito velho para trabalhar. O que fazer? Borregar pela cantos ou encostar a barriga ao balcão, beberricando uma cerveja ou o café do dia, gastando serodiamente o rendimento mínimo ou o subsídio de desemprego, se houver. Acender um cigarro, para acalmar, e não perceber sequer o que está a suceder. Talvez alguma conversa, que fale sobre um tempo em que se abalava pelas 3, 4 horas da manhã para Espanha, para trabalhar nas obras e se regressava a casa, após o trabalho, na sexta-feira seguinte. Mas acabou!
Em Espanha as obras estão paradas e em Portugal, também. O país dos pedreiros, da delirante construção urbana, está bloqueado. O que fazer? Não sabem. Esperar ociosamente, que a crise termine. Mas como? O capital não emprega pessoas a granel. Não entendem que a crise não é coisa vaga. É a crise do sistema capitalista. Ainda que as estórias benfazejas sejam sopradas por arautos bem remunerados, sobre recuperação e idas aos mercados. Milongas!
Partem aos milhares. Não com a mala de cartão, mas com o diploma de um curso superior, enquanto pelo amado país ficam de rostilhão pelo chão, pedreiros, gente da malha, electricistas, soldadores, vendedores de apólices e de sonhos, e muito tipo com a mania do snobismo, que até há pouco se sentia como peixe na água. Há casas por todo o lado que vendem o jogo da raspadinha e é uma vergonha que se vá buscar o “velho” ao lar, para que a parca reforma possa mitigar a fome ao filho e aos netos. Está actual o que um dia disse Churchill:  “Em Portugal, metade da população vende jogo e a outra metade habilita-se ao prémio”.
Boiardos de Portugal, sois uma vergonha. Cheirais mal.

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