sábado, 16 de fevereiro de 2013

"Raiotezinger"


Augusto Alberto

Estava uma manhã fria e sereníssima no dia em que me ia chegar a pensão e o subsídio de Natal. Esperava poder comprar, sereníssimo, as prendas para as duas netas, sereníssimas, entre desejos de bom ano novo. Fico singelo por este desejo, porque sou um ateu determinado, mas não deixo, contudo, de afinfar nas guloseimas de Natal, (rabanadas com vinho ou com leite, tanto faz, as filhoses, as papas de sangue de porco, que a patroa faz como ninguém e que traz um corrupio à porta, porque toda a gente do lugar, as quer e um bom tinto na noite de Natal).

Nessa manhã, com um céu de poalha cinzenta e frio sereníssimo, fiz a habitual manhã desportiva. A plataforma de areia dura, estava sereníssima e o mar sereníssimo estava. As pequenas ondas, com uma fuligem muito esbranquiçada, a parecer lã de carneiro alvo, vinham a 20 centímetros dos pés, obrigando a que me desviasse, para não molhar as minhas amadas sapatilhas Nike, que há anos, sereníssimo, comprei em Havana. Regressei, elevando ao máximo as batidas, (180 p.p.m.), subindo, em cadência máxima, os 50 degraus das escadinhas, que trazem da praia, à ladeira de Santa Barbara, Santa sereníssima, com manto azul, a repousar no nicho de uma das casas, da primeira fiada do sereníssimo bairro mineiro, do mesmo nome.
Foi pois, sereníssimo, que cumpri o desejo. Mas de repente, o tempo mudou e uma desserenissima trovoada abateu-se sobre o povoado. Fui ao meu miradouro, e vi os raios caírem no mar. Fiquei aliviado, porque uns anos atrás, um raio atirou-se ao telhado da escola que tenho em frente e fez saltar um pequena lasca de pedra roubada ao beiral e atirou-a, com toda a força, à persiana do quarto, que me obrigou a pular e gritar:  chegou o fim do mundo. Mas depois de ver o estrago, sosseguei. Remova-se a persiana e que continue a invernia, porque é o tempo próprio, disse. Mas o pior, entretanto, chegou. Uma carta da C.G. A., a informar que o Gaspar tinha decidido, sereníssimo, abafar quase a totalidade do meu subsídio de Natal. E eu, dessereníssimo, pestanejei. Já fui, sereníssimo, desde então, a umas quantas arruaças de rua, mas a verdade é que o dinheirito, sereníssimo, lá foi para os cofres dos agitados banqueiros.

Deste modo, desejaria que sua santidade tivesse desviado o trovão que riscou o pináculo do Vaticano, após o anuncio da sua resignação, para o telhado do ministério das finanças, com vista para a estátua equestre do rei lerdo, D. José I, para trazer luz ao Gaspar.
Suspeito,  alvíssimo “Ratezinger”, que nem tu nem o Gaspar, percebem que nada na nossa vida se assemelha a um “trovão em céu sereno”. Pelo contrário. Acredita, pois, que se esse “Raiotezinger”, chega para iluminar papalvos, não chega para aliviar fome e maleitas, nem para evitar as garras de homens de batina que servem a igreja de Roma, nem trazem de volta o 13ª e o 14ª mês.
Ainda assim,“Raiotezinger”, leva também o insaciável tesoureiro Gaspar. É favor que te peço.

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